Zé da Silva, depois de acumular alguma riqueza com seu negócio de varejo, resolveu empreender em construção civil. Adquiriu um terreno que valia 1,2 milhões por 1,0 milhão porque pagou à vista. Fez um excelente negócio. Mas agora precisa acumular mais dinheiro para movimentar o negócio da construção. O terreno ficará parado por um bom tempo. Ao conversar com o amigo que lhe indicou o terreno, descobriu que o antigo proprietário aceitaria uma negociação em que 50% fossem em permuta por casas ou apartamentos que Zé da Silva pretende construir.
Moral da história: tem terreno, mas não tem dinheiro, quando poderia ter o terreno e ter ainda 400 mil em caixa pra iniciar os trabalhos e um compromisso de pagar mais 600 mil em imóveis futuros.
Zé de Souza foi mais articulado e negociou área similar pelo valor de 1,2 milhão (só para facilitar a comparação) integralmente em permuta por unidades no prédio que deseja edificar num prazo de 2 anos. Como o preço de venda de uma unidade não é múltiplo do valor do terreno, Zé de Souza pagará 10% a mais por ele, mas em unidades e não em dinheiro. Para não perder tempo, Zé de Souza acelerou os trabalhos, contratou arquiteto, aprovou os projetos e registrou sua incorporação para iniciar as vendas (mas é claro que ele já vinha conversando com potenciais compradores há algum tempo). Agora vai iniciar os estudos estruturais para o prédio e descobriu que a qualidade do subsolo não é boa e, embora a obra seja pequena, a fundação demandará estacas que custarão o dobro da verba prevista para fundação, o que significará 5% a mais no custo da obra. Como a comercialização foi acelerada, o empreendimento foi vendido como uma empreitada. Logo, esta diferença de valor na fundação deverá ser custeada pelo próprio Zé de Souza. Serão cerca de 200 mil a mais no custo. Zé de Souza soma esses 200 mil aos 10% que pagará a mais no terreno, mas não perde o sono, pois o saldo ainda é positivo. Afinal, é uma perda da ordem de “apenas” 300 mil.
Moral da história: as férias que prometeu à família com viagem internacional talvez precise ser adiada, vai depender do desempenho das obras, pois tudo depende do custo agora. E o carro permanecerá o mesmo por mais um ano. Está velho, mas ainda anda, né! O problema é que para viagens nacionais, tem um carro mais confiável seria mais adequado. Os 300 mil parecem não fazer diferença no caixa do empreendimento, mas fazem muita diferença nos planos do empreendedor.
Zé Aparecido, por sua vez, fez diferente. Tem um excelente acordo com o proprietário do terreno e fez ele mesmo um estudo de mercado para melhor caracterizar o empreendimento que oferecerá. Negociou de pagar um pouco a mais ao arquiteto em troca de só remunerar o serviço quando iniciarem as vendas (isso ajudou muito no fluxo de caixa do negócio). Para compensar esse adicional no custo do projeto de arquitetura, negociou bastante os projetos estrutural e de instalações obtendo preços vantajosos. No somatório, todos os projetos não representam mais que 1,5% do seu Valor Geral de Vendas (VGV) e metade disso somente será pago após início das vendas. O calculista aceitou o estudo de subsolo já feito, mesmo com número de furos inferior ao que prescreve a norma técnica (houve uma economia de 2 mil reais com isso) e o projetista de instalações prometeu entregar uma lista de materiais detalhada. Zé Aparecido está feliz porque os projetos vão sair por valor inferior ao que previu. E as vendas têm sido boas.
Zé Aparecido prevê um lucro de quase 18% com seu empreendimento, sobretudo porque não terá custos com administração de obra, uma vez que ele próprio cuidará disso. Sua estratégia de reduzir um pouco os preços de venda, embora reduza o lucro, tem melhorado o desempenho.
Ao iniciar as obras, percebem que num dos lados do terreno terão que fazer sapatas mais profundas para pegar um solo mais firme, mas nada que não seja fácil resolver. As redes subterrâneas terão que ser aprofundadas cerca de 30 a 40 cm para evitar furar vigas que já estão concretadas, será só aumentar a profundidade das caixas quando forem executadas. Inclusive, algumas terão a tampa rebaixada ou serão desviadas para se ajustarem aos níveis das rampas de acessibilidade que foram adaptadas depois do projeto de instalações já “prontos”.
Ao iniciar a execução de pilares e paredes, descobriu-se alguns dentes na estrutura que serão facilmente camuflados com enchimentos de argamassa. Na primeira laje, as espessuras de argamassas de regularização dos pisos serão aumentadas para assimilar as espessuras das camadas de impermeabilização, pois sem o enchimento não serão possíveis os rebaixamentos nos pisos acabados das áreas molhadas. Zé Aparecido dá graças a Deus por seu mestre de obra ser tão perspicaz ao perceber isso antecipadamente e poderem adiantar essas regularizações. Agradece ainda pelo fato de a solução não exigir mudanças nas lajes e vigas, que já foram executadas e adquiridas.
Zé Aparecido chegou à última laje do seu pequeno prédio e se prepara para iniciar os acabamentos e instalações. Lamenta porque a promoção de porcelanatos que viu a alguns poucos meses tenha terminado, mas acha ótimo que uma nova linha muito bonita chegou ao mercado. Está ligeiramente mais cara, mas cabe no orçamento, pois há dinheiro em caixa e as vendas tiveram excelente desempenho. Descobre que lista de materiais detalhada do projeto tem tudo que conta no projeto, mas o projeto não contempla tudo que é necessário à obra e alguns itens estavam especificados errados e tiveram que ser recomprados. Um pequeno adicional de custos.
Os centímetros preenchidos no piso reduziram os peitoris de esquadrias e nas cozinhas serão substituídas. As que estavam previstas não podem subir (pois há verga de concreto) e o espaço entre bancadas e esquadria é justo para inserção de pontos de energia e água. São poucos centímetros, mas fazem diferença. Serão feitas esquadrias sob medida para as cozinhas (um pouco mais caras).
A obra atravessou um período de chuvas exatamente nos meses em que Zé Aparecido viajou para a praia, promessa que fez à família antes mesmo de iniciar o empreendimento. Sua esposa ama a praia e ficaria muito aborrecida se não viajassem, sobretudo percebendo que Zé Aparecido tem o dinheiro para a viagem, pois tem feito suas retiradas regulares e satisfatórias pelo trabalho de administração da obra. Tudo está muito bem em casa, Zé Aparecido não quer comprar essa dor de cabeça. Vamos à praia!
A obra acabou atrasando por causa das chuvas e por conta de erros que geraram retrabalhos, pois não houve acompanhamento naquele período da praia. Alguns materiais acabaram tendo que ser readquiridos em pequena quantidade e emergencialmente, por preços superiores ao previsto.
É chegada a conclusão das obras, os compradores se cotizam para arcar com custos de sistemas fotovoltaicos para energia que não estavam na proposta do Zé Aparecido. Isso reduz bastante a conta do pequeno condomínio. Mas a instalação demanda a passagem de alguns dutos e colocação de alguns equipamentos não previstos. Como tudo está pronto, serão aparentes e gerarão pouca quebradeira. Os proprietários não gostam e consideram que Zé Aparecido deveria ter previsto isso, afinal o sistema é comum hoje em dia. O projeto de instalações não previu, mas, para evitar problemas e concluir bem o empreendimento, ele aceita arcar com os custos, afinal há ainda dinheiro no caixa.
O fechamento vem com as despesas regulares de INSS, escriturações (que Zé Aparecido assumiu para facilitar as vendas), pagamento de dividendos a alguns credores. Zé Aparecido percebe que o caixa está ficando vazio e que o lucro não será como esperado. Aliás, será bem menor. Dos quase 18% previstos, ele já retirou cerca de 8% com honorários e despesas para administração da obra e os pequenos problemas ocorridos consumiram mais 5% dos recursos.
Zé Aparecido percebe que os problemas com os projetos provocaram talvez mais da metade destes gastos adicionais, Seu raciocínio é de que os projetos custaram na realidade, 4,5% do VGV, considerando isso. Outra parte dos custos adicionais ocorreram por falhas em programação de serviços, compras, comunicações e qualidade da mão de obra. Parecem inevitáveis, afinal, como Zé Aparecido poderia ter previsto essas coisas?
Zé Aparecido ainda tem 5% de lucro no empreendimento. Agora precisa iniciar outro, mas o terreno precisa ser negociado em permuta para que estes 5% permitam um melhor investimento em projetos e planejamento. Quem sabe no próximo, o lucro de 10% seja mais viável, já que 8%, na avaliação do Zé, é mesmo despesa mínima de administração de obras.
Zé Aparecido descobrirá no próximo empreendimento que as falhas de planejamento ocorreram por causa dos 4% aproximadamente de administração de obra (monitoramento e controles) que ele não investiu, pois as falhas voltarão a ocorrer, mesmo com projeto melhor desenvolvidos.
Aos poucos, todos os Josés começam a perceber o valor de um Projeto Integral, que vincule arquitetura, engenharia, planejamento e negócios, ou seja, Projeto do Produto e Processo Produtivo, a essência da Engenharia Simultânea. Mas até lá, alguns deles já terão quebrado.
E, acreditem, Zé da Silva e Zé de Souza não acreditam que acontecerá o mesmo com eles. Com o tempo todos passarão a entender dolorosamente a diferença entre inaptidão e inépcia. Os que compreenderem, perceberão no que estão inaptos e poderão mobilizar as habilidades necessárias, contratando ou desenvolvendo em si mesmos (embora isso demande um tempo que normalmente não se tem). Os ineptos nem chegarão a compreender.
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