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Foto do escritorRenê Ruggeri

Construção Civil e os quadrantes da Teoria Integral

Venho falando e desenvolvendo, já há alguns anos (décadas, na realidade), sobre o que convencionei chamar, a partir de 2017, de Engenharia Integral; uma abordagem do trabalho de implantação de empreendimentos de construção civil à luz a Teoria Integral.


Pode parecer que isso se resuma a considerar simultaneamente tudo o que é pertinente a esse trabalho, mas esse entendimento é um equívoco reducionista do que representa a Teoria Integral. Compreendê-la é pré-requisito para compreender o que deve ser a Engenharia Integral. E esta compreensão não é simples, pois a Teoria Integral é um desenvolvimento sistêmico de conteúdos nos domínios da Filosofia com reflexos em todas as áreas do conhecimento e da vida.


Aplicar a Teoria Integral à construção civil é um exercício, mas cujas implicações são tão abrangentes que acaba sendo uma formulação teórica complexa. Exige uma perspectiva que coloque a construção civil como objeto de análise num contexto muito mais amplo. Isso eleva a multidisciplinaridade comum na construção civil a uma universalidade, por abranger potencialmente todas as áreas de conhecimento com suas multidisciplinaridades setoriais (uma multiplicidade de multidisciplinaridades). Ou seja, exige, de quem faz a análise, visão e conteúdo que estão além dos usuais na construção civil. Por isso, qualquer tentativa de explicar a Engenharia Integral para o público da construção civil recai em simplificações que distorcem o rigor dos conceitos. Mas isso não impede que se faça avanços, por isso acredito ser útil, satisfatório e necessário.


É comum, e eventualmente indicado, que qualquer análise de um objeto ou fenômeno à luz da Teoria Integral comece pelo mapa AQAL que contempla cinco componentes definidores do objeto de estudo: quadrantes, tipos, linhas, níveis e estados. Neste texto focaremos os quadrantes, como ponto de partida. Muitos textos são necessários para completar o quadro.


Os quadrantes em que o mapa AQAL distribui os objetos de estudo são:

 


 

  • ·À esquerda, o que é interno ao indivíduo no quadrante superior, especificamente à sua consciência, e, no inferior, ao que é interno aos grupos de indivíduos (coletivos, especificamente à sua cultura.

  • À direita, temos as coisas do mundo, em geral materiais, mas não obrigatoriamente; ora em instâncias elementares ou frutos de ações de indivíduos (superior), ora como sistemas ou frutos de ações de coletivos (inferior).


A divisão em quadrantes é um artifício didático para compreender a Teoria Integral, mas obviamente, todos os quadrantes são interligados e influenciam-se mutuamente com intensidade.


Veja, por exemplo, que as intenções de um indivíduo são internas à sua consciência, mas as ações (comportamento) ocorrem no mundo prático (quadrante superior direito) gerando elementos que impactam a percepção de grupos sobre o mundo, afetando a cultura dos grupos que, por sua vez, podem reestruturar as formas de organização social que condicionam as intenções dos indivíduos. E isso é só um ciclo possível neste complexo.


Pensar, por exemplo, nos impactos das tecnologias na formação das pessoas, suas intenções e ações no mundo a partir destas tecnologias, os agrupamentos e culturas formados com base nisso e como impactam estruturas socialmente construídas. As questões geracionais e inovações são típicas na exemplificação destas espirais de influências.


Colocar a construção civil neste quadro exige que definamos com mais precisão ao que nos referimos. Podemos pensar na construção civil como um setor da produção de mercado. Mas podemos pensar no produto da construção civil, ou seja, as obras (edifícios, infraestrutura etc.). Iniciemos pelo produto, dada a facilidade de compreendê-lo. Se quisermos mais especificidade no exemplo, consideremos um edifício construído em algum local da cidade.


Obviamente ele se situa do lado direito do mapa, pois é externo ao indivíduo e aos grupos. Mas é, sem dúvida, produção de um coletivo, os trabalhadores deste setor de mercado; então, está no quadrante inferior direito.


Uma obra implantada, afeta, sem dúvida, as estruturas de organização social. Isso é simples de perceber quanto maior é a obra e quanto mais ela se dedica a facilitar a vida das pessoas nas suas relações com o mundo. Pense num shopping ou um grande mercado implantado em algum local da cidade. Ele certamente afeta a vida da cidade em vários aspectos. Pensar a obra de forma integral, significa considerar estas influências, independente de exigências externas. Aliás, a exigência legal dos estudos de impactos de vizinhança é uma alteração da estrutura social (no aspecto jurídico, neste caso) produzida por grupos que perceberam as influências das obras e legitimamente promoveram ajustes da ordem social (o uso da noção de legitimação foi proposital, pois esse conceito é fundamental no estudo destas influências coletivas).


Obras de infraestrutura são naturalmente focadas nos coletivos e as influências neles são mais facilmente percebidas. Mas eventualmente ficam camufladas a influências no meio físico que, mais cedo ou mais tarde, mostram seus impactos, ou as nas consciências dos indivíduos Veja as estruturações de vias de tráfego ou sistemas de saneamento que mudam as influências das chuvas no ambiente urbano.


Quaisquer destas obras possuem significado simbólico para os indivíduos que alteram sua forma de perceber o mundo (a cidade, nestes casos) e mesmo os coletivos. Formam-se, por exemplo, os coletivos de quem foi beneficiado pela obra, os são favoráveis a ela, os que se sentiram eventualmente prejudicados etc. Um grande edifício num bairro pode ser visto como sinal de prosperidade ou como sinal de perda de identidade. As percepções dos indivíduos são afetadas de formas diferentes, alterando suas intenções e consequentemente seus comportamentos.


Em dias de chuva, deixa-se de circular em certas áreas das cidades por medo de inundações. Eventualmente passa-se a frequentar regiões da cidade pela construção de um novo equipamento urbano, o que, aliás, promove a formação de coletivos ligados a esse costume.


Toda construção, por menor que seja, gera reflexos em todos os quadrantes. A visão integral da construção civil, inicia pela aceitação séria desta realidade. Digo séria porque simplesmente concordar que existem não torna a visão integral, é preciso buscar a compreensão destes processos integrativos e considerá-los nas análises do que fazemos enquanto coletivo deste setor de mercado.


E se o próprio setor da construção civil fosse o objeto de análise? Como seria?


O setor de construção civil é uma estruturação social, ou econômica, se preferirem, e, portanto, pertencente também ao quadrante inferior direito. Sua organização decorre da ação do coletivo de quem trabalha nele e por pressões dos coletivos afetados por ele. E, claro, há vários sub coletivos identificáveis, por exemplo, fabricantes de materiais, fornecedores de serviços, construtores, profissionais de várias modalidades etc. Sem esquecer os interessados como usuários, investidores etc.


A forma de organização do setor influencia, por exemplo, os conteúdos técnicos (quadrante superior direito) que os indivíduos devem ter para atuar nele. A tecnologia, por exemplo, trouxe o BIM que, a cada dia, se torna mais condicionante para participar destes coletivos. Aliás, esta relação entre tecnologias, cultura/coletivos, consciência/indivíduos no que se refere ao BIM enfrenta seus próprios problemas de integralidade.


Em termos internos nos indivíduos (quadrante superior esquerdo), os profissionais do setor já têm maior percepção e intenção da sistematicidade dos processos produtivos no setor, o que altera sua intencionalidade em relação à atuação (quadrante superior direito). Coletivamente (quadrante inferior esquerdo) cresce a preocupação com a colaboração dos grupos transformando a cultura. Mas alguma coisa ainda parece não funcionar, há dificuldades.


Perceber esses fenômenos nos diversos quadrantes é um primeiro passo. Dizemos, baseados na Teoria da Complexidade, que são ilhas de conhecimento. Mas entre essas ilhas há oceanos de dúvidas e incertezas. Como conhecer o relacionamento entre esses fenômenos? Como conceber o sistema completo do setor da construção civil, equacionando estas influências ao ponto de considerá-las nas formulações de estratégias de evolução?


Esta é a abrangência pretendida pela Engenharia Integral. Não se trata apenas de integrar internamente o trabalho do setor, mas integrar o setor à transformação do mundo por um caminho que gere evolução por influências ou impactos positivos, ou, quando, necessário, com reflexos negativos previamente conhecidos e tratados. Não se trata meramente de conhecer as ocorrências em cada quadrantes, mas de buscar compreensão das correlações entre elas pautadas pelo que há no mar de dúvidas que as cerca.


Afinal, a Engenharia (e especialidades afins) media a relação do homem com o mundo que o cerca, é natural que a expansão da compreensão dessas influências seja um objeto crítico de preocupação de quem pensa o setor. Mesmo que se comece pensando nas obras.


Assim, começamos a compreensão da aplicação da Teoria Integral à construção civil, mas perceba que mal passamos perto de explorar os fenômenos e o oceano que os separa. Perceber que existem é só o início. Para explorá-los precisamos ir mais longe, com mais conteúdo.


Estamos falando de colaboração intersetorial. Mas estamos penando para obter colaboração interna.


Eu avisei no início do texto que o desafio é grande!

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