Você já teve que executar uma tarefa com ferramentas inapropriadas? Por exemplo, já tentou bater um prego usando um alicate?
Eu já bati pregos com alicate, literalmente. É possível, mas com o martelo é bem mais fácil e a garantia de maior eficiência e eficácia é óbvia. E isso não significa que o alicate não seja uma boa ferramenta. Pelo contrário, é excelente no uso para o qual foi criado.
As metodologias que usamos profissionalmente seguem o mesmo raciocínio. Cada uma foi criada para um uso bem específico, mas muitas vezes tentamos adaptar seu uso para situações menos adequadas.
Além disso, é evidente que num trabalho complexo muitas ferramentas são usadas. Num empreendimento complexo a analogia se mantém, muitas metodologias são usadas apropriadamente por cada agente do processo e em cada contexto específico.
Aliás, até mesmo o ciclo de vida dos empreendimentos é percebido de forma diferente pelos diversos agentes da cadeia produtiva. E aqui encontramos um aspecto fundamental para a seleção de uma boa metodologia. No ponto de vista de um agente específico, considerando sua parte ou papel na cadeia produtiva, como ele percebe o ciclo de vida de um empreendimento?
Repare que usei o termo “perceber” e não “entender”, ou “compreender”. Todos entendemos o ciclo de vida do empreendimento desde as primeiras ideias e decisões, até a entrada em operação. Mas, em geral, os agentes têm contato parcial com este longo processo. Talvez apenas para o empreendedor o ciclo de vida seja percebido completamente. Perceber tem a ver com os sentidos e não com a compreensão lógica (que seria compreender); ou seja, pressupõe uma interação direta com o empreendimento.
Um fornecedor de produto de prateleira, por exemplo, percebe o empreendimento apenas quando é procurado para apresentar uma proposta de fornecimento. Na ótica deste fornecedor, talvez o ciclo de vida percebido seja composto pelas fases: contato inicial; desenvolvimento da proposta; negociação; entrega; garantia. Se o produto não for de prateleira o ciclo de vida já é outro e continua sendo uma pequena parte do processo de implantação.
E para o projetista? Qual o ciclo de vida percebido e como ele se relaciona com o ciclo de vida completo da implantação?
O projetista inicia sua relação com o empreendedor bem cedo. Provavelmente é um dos primeiros agentes mobilizados. E sua relação se estende por um longo período no ciclo de vida total do empreendimento.
Mas a relação do projetista com o empreendimento é diferente da relação do empreendedor. O projetista não usará metodologias do fornecedor de produtos de prateleira, nem usará as ferramentas do empreendedor ao verificar as entregas. Mas repare que ele participa de ambas pelo seu próprio ponto de vista, pois especifica os produtos e os requisitos que devem atender.
Nem mesmo o empreendedor desenvolve uma relação tão íntima (se é que o termo é apropriado para um relacionamento intelectual) com o empreendimento como o projetista. Talvez o construtor chegue ao mesmo nível de profundidade, mas ainda assim, de forma diferente.
O empreendedor idealiza o empreendimento, direciona sua caracterização, monitora seu desenvolvimento, fiscaliza sua concretização e o usa conforme a ideia inicial. Isso corresponde ao ciclo: idealização; conceituação (ou direcionamento); concepção; construção e operação. As 4 primeiras fases chamamos de implantação, restando, numa síntese bem radical, apenas duas fases: implantação e operação.
As fases da implantação, nas metodologias usadas em diversos nichos de mercado recebem nomes específicos, como: Plano do Negócio (idealização); Engenharia Conceitual (conceituação ou direcionamento), Engenharia Básica (concepção), Execução (construção).
O ponto de vista do projetista (com seu relacionamento mais íntimo) exige um nível mais detalhado de estratificação, sobretudo nas fases de conceituação, concepção e construção. Isso lhe impõe a exigência metodológica de abordar o empreendimento considerando um ciclo de vida diferente, mais detalhado; porém integrado ao ciclo de vida do empreendedor (seu contratante), afinal é o mesmo empreendimento.
Veja, por exemplo, que para que o projetista encontre a melhor conceituação ou direcionamento técnico para as diversas soluções, é preciso que ele compreenda muito bem os condicionantes da operação e da própria implantação do empreendimento. Para ele, projetista, há uma etapa crítica de entendimento deste contexto, de cujo sucesso depende o bom direcionamento dos conceitos fundamentais do empreendimento.
Assim, para o projetista, a fase de conceituação ou direcionamento deve ser subdividida em Levantamento de Informações e Estudos Preliminares (nomes usuais no mercado), cada uma com metas bem definidas. A observação importante a ser feita é que esta decomposição não é necessária ao empreendedor, pois este receberá do projetista as soluções técnicas já bem estudadas. O projetista usa seus “pregos e martelos”, mas o empreendedor apenas apresenta as demandas e verifica as entregas.
Começa aí a constatação de que a metodologia de trabalho do empreendedor não é idêntica à do projetista, mas precisam ser coerentes e harmoniosas. Se o projetista usar “alicates para bater pregos”, o prejuízo será do empreendedor.
Para a fase de concepção do empreendedor, o projetista necessita de outras tantas subdivisões. Definidas as diretrizes técnicas conceituais, o projetista precisa caracterizar bem as soluções técnicas. Estas soluções serão avaliadas e certificadas por diversas partes interessadas no empreendimento, através do Projeto Legal, entre elas órgãos governamentais de fiscalização em diversas áreas (urbanização, meio ambiente, vigilância sanitária, entre outros possíveis). Realizados os ajustes solicitados pelas diversas partes, conclui-se o Anteprojeto, ou seja, conclui-se a definição técnica das soluções para o empreendimento.
O empreendedor precisa, agora, mobilizar os executores para a fase de execução. Para o projetista, a partir de então, o trabalho se volta para a comunicação destas definições de modo que os executores possam compreendê-las a ponto de se engajarem no processo de implantação do empreendimento. Entre as fases de concepção e execução (do empreendedor) está, então, o Projeto Básico para o projetista. A terminologia usual de mercado é bem apropriada, pois é com base nele que a execução será preparada.
A etapa de Projeto Básico, em geral, é decomposta como parte da concepção, mas, tendo em vista que o empreendimento já está tecnicamente definido e que a meta é a mobilização dos executores, faz bastante sentido considerá-la já como parte da Construção. Para o empreendedor, porém, as entregas do Anteprojeto não têm muita utilidade, pois nada há a fazer com elas, a não ser confirmar a coerência entre as demandas e as soluções técnicas. O foco do empreendedor está na mobilização dos executores e, por isso, prefere receber como resultado da concepção já o Projeto Básico.
Por esta ótica, mais uma vez, fica clara a diferença dos pontos de vista do empreendedor e do projetista. Aliás, demonstrando um equívoco conceitual admitido por uma questão de conveniência comercial no processo de implantação do empreendedor (contratante). Verificar a coerência entre demandas e soluções já mais desenvolvidas no Projeto Básico é tardio, pois qualquer mudança gera retrabalho considerável (para o projetista) em um novo desenvolvimento.
Mobilizados os executores, resta apenas ajustar os detalhes técnicos dos fornecimentos ao projeto do empreendimento, o que é feito com o Projeto Executivo. O ideal nesta etapa é que os fornecedores participem fornecendo as informações detalhadas dos seus produtos e processos. Isso ajustará o projeto e o processo de implantação favoravelmente ao melhor desempenho dos fornecedores/executores, afinal o interesse é ter o empreendimento concretizado.
Durante a execução, as ocorrências do dia a dia podem impor ajustes circunstanciais ao processo que exijam ajustes correspondentes no projeto (do produto). Para o projetista isso corresponde ao Projeto Como Construído, ou Projeto As Built, uma etapa do ciclo de vida percebido pelo projetista que está embutida na fase de execução para o empreendedor.
E assim, os ciclos de vida do empreendedor e do projetista caminham juntos e harmônicos, mas com decomposições diferentes. Isso, por si, já seria suficiente para compreender que as metodologias de trabalho do empreendedor e do projetista devem ser diferentes, mas integradas. Deve-se tomar muito cuidado para não forçar projetistas a “baterem pregos com alicates”. Isso impacta sua eficiência e coloca em risco a qualidade do seu resultado, que, por fim, coloca o próprio empreendimento e empreendedor em risco.
Por outro lado, o projetista é fornecedor, o que significa que as metodologias usadas internamente são de sua responsabilidade. Ajustar as decomposições adicionais em seus processos de trabalho interno não é tarefa complexa em teoria, a dificuldade é integrar as culturas, já que os trabalhos de ambos possuem relação tão estreita.omposições adicionais em seus processos de trabalho interno não é tarefa complexa em teoria, a dificuldade é integrar as culturas, já que os trabalhos de ambos possuem relação tão estreita.
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